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Associação das Instituições de

Microcrédito e Microfinanças

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Notícias

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19.09.2011 - "Nós atendemos pobres economicamente ativos", entrevista com a oficial de crédito angolana, Altina Manuel

19/09/2011

por Silvestre Lacerda
  
Conhecidos por oficiais de crédito em seu país, os angolanos Maria Marzana, Francisco Marcolino, Pemba Lucalar, Altina Manuel e Calunga Figueiredo Furtado estiveram de passagem por Santa Catarina na última semana. O objetivo do grupo foi conhecer mais sobre o modelo de concessão de microcrédito individual praticado pelas organizações catarinenses, já que em seu país as experiências com grupos solidários são mais freqüentes.
 
Durante a viagem tiveram a oportunidade de aprender um pouco da história e dos métodos de trabalho de três organizações associadas a AMCRED-SC. Em Florianópolis, visitaram o Banco do Empreendedor, onde foram recepcionados pelo gerente de operações Wilson Dutra, em Lages estiveram no Banco da Família e em Jaraguá do Sul acompanharam o trabalho da Juriti Microfinanças.
 
Na tarde da última sexta-feira (18) participaram do encontro promovido entre o Sebrae/SC e a AMCRED-SC, no Hotel Porto da Ilha. Na reunião, falaram das experiências com microcrédito que desenvolvem em Angola, país colonizado por Portugal e que por isso mesmo fala o idioma português, localizado na costa ocidental da África.
 
Os agentes trabalham para a organização privada Kixicrédito, uma sociedade anônima com sócios canadenses. Com cinco anos de existência, a organização possui atualmente 13 mil clientes ativos, 187 colaboradores e mais de 800 grupos solidários. Ao total são 14 agências localizadas na cidades de Luanda, Cabinda, Zaire, Huambo, Benguela, Bié, Namibe, Huila e Uige.
 
A instituição nasceu como uma ONG no Programa de Microfinanças do LUPP/DW, organização sem fins lucrativos que trabalha para melhorar os assentamentos e a subsistência dos pobres em comunidades menos desenvolvidas. A DW tem trabalhado em Angola desde 1981, e durante muitos anos foi a única ONG no país, tendo começado inicialmente a pedido do governo nacional para auxiliar na auto-ajuda habitacional.
 
A vinda do grupo Angolano foi organizada pela CREAR Brasil, empresa que atua há mais de 20 anos no mercado microfinanceiro brasileiro e que mantém um Programa de Intercâmbio com os países luso-africanos, já há cinco anos. Este é o quinto grupo que a CREAR Brasil traz ao Brasil. Os anteriores vieram do Kenia, Moçambique e Angola.
 
Os angolanos permaneceram 4 dias no estado. Na tarde de sexta-feira, partiram para São Paulo, onde teriam três dias de folga para depois voltarem ao seu país.

Altina Manuel, a mais experiente oficial de crédito do grupo, concedeu-nos uma entrevista durante sua passagem pela AMCRED-SC. Em outubro ela completará seis anos de trabalhos para o microcrédito de seu país. Acompanhe: 
 
Feira livre em Angola
 
 
Qual o público alvo do microcrédito em Angola?

Nós atendemos pobres economicamente ativos. Pessoas que têm princípios de negócios. Nós não atendemos pessoas sem negócios. Está em análise um produto para ver se dá para dar microcrédito para pessoas iniciarem um negócio. Mas está em análise ainda. Neste momento só atendemos pobres economicamente ativos.

Qual o tempo em que essa pessoa tem que estar desenvolvendo a atividade?

Um ano de experiência no negócio senão não atendemos.

Qual a principal diferença que você percebeu entre o modelo catarinense e o angolano?
 
A única diferença que eu pude notar é que em Angola para ser avalista, que chamamos de aval, o indivíduo não pode ser membro da família. Pode ser um amigo, um colega de negócios. Tudo porque nós, os Africanos, temos vastas famílias, então optamos por este método para evitar a inadimplência. Porque, suponhamos que nosso cliente tenha um óbito, se o avalista for um filho ou um irmão todos estarão envolvidos com esta situação e então ninguém poderá ajudar o outro a fazer o pagamento. Então nós evitamos que o avalista seja um membro da família. Já aqui em Santa Catarina o avalista pode ser um membro da família. 
 
Quais as principais dificuldades que vocês encontram para operar o microcrédito em Angola?

Nossos clientes apresentam dificuldades em encontrar os avalistas. Não é nada fácil encontrar um avalista, alguém que aceite e que diga, “Olha, ela pode receber e se ela não pagar eu pago”. Não tem sido fácil. Vemos clientes com vontade de receber microcrédito e que muitas vezes ficam empatados porque não encontram avalistas. Essa é a maior dificuldade que encontramos.

Qual o valor mínimo e máximo que vocês emprestam?

Para o produto individual o mínimo vai de U$ 3.001 e o máximo U$ 10.000
Para o produto reforçado o mínimo vai de U$ 1.001 e o máximo U$ 3.000
Para o produto Kixisolidário o mínimo vai de U$ 500 e o máximo U$ 2.000
 
Quantos participantes podem compor um grupo solidário?

No maior grupo que temos, kixisolidário, o mínimo são 5 elementos e o máximo 15 elementos onde cada um é livre para solicitar o valor que pretende. E o valor vai de 500 dólares a 2 mil dólares. É o grupo onde começamos. Só agora que estamos passando para o individual e o grupo reforçado, que é de 3 pessoas no mínimo e no máximo 5. Neste reforçado o valor conforme eu já disse vai de U$ 1.001 a U$ 3.000 onde cada um desses membros também é livre para solicitar o valor que deseja dentro deste enquadramento. Nestes grupos não é preciso avalista. Um é avalista do outro, mas todos recebem o microcrédito.
 
Grupo kixisolidário
 
Qual o tipo de atividade econômica mais comum entre os clientes de vocês?

É o comércio. Em Angola nós não fabricamos como aqui, vocês tem sapateiros, costureiros, que vão fabricar e depois vender. Vocês chamam de confecções. Nós não temos isso. Nossos clientes viajam para outros países a procura do comércio e vendem em Angola. Vão para a China, Dubai...compram os produtos para poder comercializar no nosso país.

Você percebe as mudanças proporcionadas pelo microcrédito na vida dos seus clientes?

Nós temos o caso de um cliente que começou em um grupo solidário e foi crescendo, crescendo até chegar ao ponto de fazer uma construção. Uma creche, onde as mães trabalhadoras deixam os seus filhos para trabalhar no dia-a-dia. Também temos outra cliente que começou no grupo solidário e os filhos não estudavam, passavam fome e quando conheceu o microcrédito começou a prosperar e os filhos começaram a estudar, a vida mudou. Ela comprou a casa própria. O marido não a respeitava e depois de ver que ela começou a tornar-se uma mulher poderosa no negócio o marido começou a respeitá-la.

Os empréstimos de microcrédito em Angola são mais comuns entre as mulheres ou os homens?

Nós emprestamos mais para mulheres. A maioria dos nossos clientes, 60%, são mulheres e 40% homens.

Você trabalha na Organização Kixicrédito, o que significa?

É uma palavra que provém de uma língua materna de Angola, o quimbundo. A palavra original é Kixiquila, que aqui chamam de cooperativa. Os portugueses quando colonizaram nosso país não extinguiram todos os termos de nossa língua original. Então algumas palavras de quimbundo foram incorporadas a língua portuguesa.

Você poderia nos contar se a inadimplência de vocês é alta e como a controlam?

Nosso índice de inadimplência atualmente é de 2%. Nós mesmos ligamos para o cliente para saber porque não apareceu e quando pretende aparecer. Se o cliente disse, “Ah, não...eu não apareci, mas amanhã eu apareço”. Ai eu espero o amanhã. Não aparecendo, no dia seguinte de manhã bem cedo estou lá na casa do cliente e quando chego lá não pergunto o porque que não apareceu no dia em que ele prometeu. Ou simplesmente digo, “Olha, eu quero o dinheiro, é xis, e não saio daqui sem este valor”. Então o cliente vai se preocupar em procurar este valor e entregar para o agente de crédito. Mas antes de pegarmos neste valor ligamos para o supervisor e avisamos, “ Olha, eu estou trabalhando com o cliente x e ele está com este valor, posso trazer?”. O supervisor libera, pegamos o valor e levamos para a contabilidade para ser registrado.

E quais as estratégias para obter o dinheiro de volta?
 
Uma vez, quando eu ia atingindo o meu teto no mês para receber o laptop aconteceu que um cliente tinha que me pagar U$ 1134 dólares. Eu já vinha cobrando este cliente há dias e ele não pagava. Neste dia eu tinha que usar uma artimanha. Já no último dia do mês, dia de fechar o balanço, eu vi que poderia perder o meu prêmio e fui até sua casa para encontrá-lo. Ao cobrá-lo ele disse, “Ah! Mas eu não tenho o dinheiro” e eu respondi, “Olha, eu não saio daqui sem o dinheiro”. Ele, “ah! Mas eu não tenho, dona Altina! Eu já disse que não tenho como conseguir. Vou pagar no outro mês”. “Mas o senhor não pode pagar no outro mês, porque eu tenho filhos para criar e se o senhor não pagar eu não tenho salário... essa coisa toda”. Mas ele não queria entender e não queria me entregar o dinheiro. Ai eu comecei a chorar. Ele levantou-se e foi buscar o dinheiro todo certinho.
 
Como funciona essa premiação?

Com dez meses sem inadimplência ganhamos um computador, carteira 150 a média, então ganha-se o computador portátil. Seguido, mais dez meses, completa vinte, ganha-se a viagem para o exterior do país. E prosseguindo, trinta meses com inadimplência zero ganha-se um gerador. Porque nós lá precisamos muito. Nossa energia não é tão boa. Prosseguindo, 40 meses, ganhasse um terreno para construir sua própria casa, que é o sonho de todo jovem.

E no caso dos clientes mais teimosos que não pagam de jeito algum, como funciona?

(risos) No caso de clientes mais teimosos utilizamos os trabalhos do “oficial de risco". Deve ser um homem grande para poder efetuar estas cobranças. Estes oficiais devem ter bastante massa muscular e ter altura para causar um impacto no cliente. Ao ver está pessoa o cliente pensa, “Ah, eu devo mesmo pagar, porque antes vinha um mais magrinho e agora está vindo um homem grande. Eu devo pagar”. Ai o cliente preocupa-se e procura mesmo a forma de pagar os valores.

E funciona na prática?

Funciona sim! Funciona mesmo! Tem tido muito êxito. Mas nós, os agentes, não esperamos chegar até o ponto de precisarmos contar com os serviços deste homem grande, porque isso vai diminuindo a nossa reputação. Então o agente de crédito faz tudo para antes mesmo de chegar até os 30 dias recuperarmos os valores.  

Quanto ganha um agente de crédito em Angola?

O salário base de um oficial de crédito em Angola são 420 dólares. 
 
Silvestre Lacerda - Assessoria de Imprensa AMCRED-SC - 14h27